Os 18 réus são acusados de ofensas corporais e humilhação de 160 recrutas durante treino de simulação de seqüestro. Por princípio, membros das Forças Armadas alemãs não podem seguir ordens que lesem a dignidade humana.
Um capitão e 17 suboficiais das Forças Armadas alemãs (Bundeswehr) começaram a ser julgados no Tribunal Regional de Münster nesta segunda-feira (19/03) por supostas ofensas corporais e humilhação contra 163 recrutas num quartel de Coesfeld, durante exercícios de simulação de prisões, seqüestros e interrogatórios pelo "inimigo".
O caso veio a público por acaso no verão europeu de 2004 e é considerado um dos maiores escândalos na história da Bundeswehr, criada depois da Segunda Guerra Mundial com base em princípios democráticos para suceder à extinta Wehrmacht.
Segundo o Ministério Público, os recrutas foram submetidos pelos 17 instrutores, com conhecimento do comandante da companhia na época, a socos, pontapés, ofensas e um teria sido submetido a choques elétricos.
Instrutores não estavam autorizados
Num exercício de simulação de seqüestro, vários recrutas foram levados para uma vala junto do quartel, com os olhos vendados e as mãos amarradas, para a simulação de um interrogatório. Os 18 réus são acusados pelo Ministério Público de ofensas corporais graves e tratamento humilhante.
O encarregado para Forças Armadas no Parlamento alemão, Reinhold Robbe, disse que os instrutores "não estavam autorizados a simular seqüestros, porque para isso é necessário ter uma preparação especial". Mesmo soldados que serão enviados para missões no exterior são preparados em centros especiais de treinamento, sob supervisão de um psicólogo, observou o parlamentar.
Robbe lembrou ainda que exercícios militares deste tipo só podem ser feitos com a presença de médicos e de psicólogos, o que não sucedeu em Coesfeld. Diferentemente do que acontece com outras Forças Armadas, os membros da Bundeswehr não podem seguir ordens que lesem a dignidade humana.
Os 18 militares, com idades entre 25 e 34 anos, todos ainda na ativa, estão suspensos pela Bundeswehr e incorrem numa pena de prisão de até 10 anos, se forem considerados culpados. O julgamento terá 45 audiências e só deverá estar concluído no segundo semestre.
Código para interromper exercícios
O primeiro julgamento, no ano passado, fracassou porque o tribunal alegou que os recrutas poderiam ter interrompido os exercícios em qualquer momento, usando um código pré-combinado. Além disso, grande parte dos recrutas imaginava que os exercícios faziam parte do ponto alto de seu treinamento.
Mesmo que o regulamento dos treinos da Bundeswehr tenha sido revisto após os acontecimentos em Coesfeld, depois de investigações internas as lideranças militares alemãs ressaltaram tratar-se de casos isolados.
No ano passado, as Forças Armadas alemãs também foram alvo de críticas depois da publicação de fotografias de soldados profanando crânios no Afeganistão.
Vídeo mostra como superior leva recruta da Bundeswehr a atirar na imagem fictícia de um "negro do Bronx", enquanto grita palavras de ordem de teor racista. Caso vem à tona e provoca reação da opinião pública.
No vídeo, um dos soldados é claramente um iniciante nas operações militares, tendo que perguntar até mesmo como deve segurar a arma que empunha. Seu superior dá as ordens e instrui, primeiro, como ele deveria atirar em terroristas num aeroporto.
Num segundo caso, a imagem sugerida é a de "uma van, que pára na sua frente. Três afro-americanos descem do carro e ofendem a sua mãe da pior maneira". O recruta é induzido a atirar várias vezes contra os fictícios "negros do Bronx" e a xingar palavras de ordem de teor racista.
No mínimo, desculpas
O caso de incitação a "assassinato por racismo", como definiu Wilfried Nachtwei, do Partido Verde, ecoou nos Estados Unidos, onde Adolfo Carrion, prefeito do distrito do Bronx, em Nova York, manifestou seu repúdio às imagens e conclamou o Exército alemão a pedir desculpas oficiais pelo ocorrido.
Um porta-voz da Bundeswehr afirma que o caso está sendo analisado desde fins de janeiro último, quando veio à tona, e que o soldado presente no vídeo foi remanejado para uma outra unidade, mas continua prestando seus serviços regularmente. Para um representante do ministério da Defesa, o "incidente racista é inaceitável e vai contra todos os fundamentos, a partir dos quais é feita a formação dos soldados da Bundeswehr".
"Métodos arcaicos"
Jürgen Rose, oficial das Forças Armadas e membro da diretoria de uma associação de "soldados críticos" intitulada Darmstädter Signal (Sinal de Darmstadt), afirmou ao site da revista Stern, que publicou pela primeira vez o caso na imprensa nacional, que "os escândalos não são casos isolados. Eles não ocorrem diariamente nas Forças Armadas, mas, no mínimo, anualmente". Rose aponta para a tendência de formação dos recrutas a partir de métodos cada vez mais arcaicos.
Pressão emocional
A Bundeswehr aparece, na maioria das vezes, somente em relação às notícias sobre casos isolados de comportamento inadequado", observa frente à DW-WORLD Simon Wunder, cientista político e reservista do Exército, que acompanhou a missão da UE no Congo, entre julho e dezembro do último ano.
Wunder lembra as dificuldades dos soldados nas missões no exterior, como alojamentos em espaço reduzido por vários meses, problemas de adaptação a condições climáticas extremas, pressão emocional de viver em meio a um conflito armado e condições de higiene muitas vezes precárias.
Na última missão no Congo, "soldados menos experientes se viram, pela primeira vez, num ambiente de miséria, desintegração e efeitos de uma guerra civil que já se arrastava por anos. Digerir todas essas impressões não é tarefa fácil para todos", conclui. O escândalo mais recente, contudo, tem como cenário a pacata Rendsburg, cidade do norte alemão.
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